Chorar o
Leite Derramado
O arrependimento é implacável,
quando a índole nutre-se de verdades e ética. A nossa humana propensão ao erro é
fato, ocorre em razão das crenças cultivadas e nem sempre se revela mesquinha,
má, vil. Ocorrem enganos, escorregadelas involuntárias quase, mas que ferem, que
machucam.
A
atitude a ser emprestada é, primeiro, o perdão a si mesmo. Saber reconhecer-se
imperfeito e aprender na imperfeição a reconstruir-se melhor. Depois, é preciso
humildade para o reparo exigido. Humildade significando "esvaziamento de si" ,
enquanto ausência de concepções prévias, de verdades intactas e absolutas.
Significa a mais profunda e íntima manifestação de reconhecer-se na imperfeição,
sua e do outro. É preciso ir em busca disso. É preciso não estagnar-se, em si
mesmo, ou encismesmar-se na arrogância. Percorrer, solitário, o vale das
lamentações em nada contribuirá, em nada modificará o que posto está. Implica
então em assumir, na totalidade, o seu próprio tamanho.
Encher
Linguiça
As falas grandiloquentes nem
sempre guardam coerência e nem sempre revelam verdades. Há máscaras que
falseiam, apenas ajudam na performance das interpretações fantasiosas e
equivocadas no palco da vida. Não é difícil lidar com "falas" dessa natureza, se
externas a cada um. Difícil é lidar com esses "textos" construidos prá dentro,
digeridos no confuso exagero da autoestima, em verdade autosuficiência. É quando
o vazio existencial se torna um lugar lúgubre, tenebroso, solitariamente
assustador. Quanto mais se tenta alcançar a aceitação, a reputação ou a glória,
tanto mais de "nada" o vazio se encherá.
A atitude, primeira, é a da
paciência consigo mesmo. Dosar a ansiedade da fala, dos gestos ou das
fanfarrices. Depois, é exercer a tolerância em relação ao que partilha. É
preciso esforço para compreender as vicissitudes e idiossincrasias no círculo de
relações. Mais uma vez as imperfeições se revelam carentes. A empatia, tão árdua
na aplicação, merece ser visitada e concedida. Os exercícios de descoberta, na
aventura da reinvenção de si mesmo, passam a ser o programa predileto na
dimensão humana. Embrenhar-se na selva das contradições, dos pesadelos do ser e
das incompletudes desnorteantes, permitirá revisar-se por inteiro e alocar
outros signficantes no espaço não mais vazio. Em processo.

Engolir
Sapo
Atire a primeira pedra aquele que
nunca se "explodiu" de contrariedade. E reprimi-la é o pior dos remédios. Não há
coração que aguente e nem estômago que resista. Por vezes o insulto, a
humilhação, o sarcasmo, o escárnio, o mandonismo exacerbado, a prepotência, o
jogo de poder, enfim, inúmeras situações nos retiram dos trilhos e sem
pestanejar, já desferimos respostas que agigantam o estrago. Ou então, vem a
acomodação, e os sapos passam a ser digeridos na constância da passividade. O
organismo se acostuma a não mais vomitá-los e a não mais expelí-los. As escolhas
impõem riscos de toda sorte.
A atitude a ser proposta é a da
resistência consciente, da dignidade que não se vende, da firmeza de propósitos
edificados na ética. Ainda assim, quando preciso, dar a face à bofetada é um
ensinamento a não ser esquecido. A ignorância, se revidada, vira lugar comum,
que não mais diferencia, não mais distingue. A resignação é o exercício da
bondade, e muitas vezes da caridade. Entretanto, hostilizar a prepotência ou
solapar a si mesmo, ante o enfrentamento da injustiça ou opressão, só fazem
imperar o caos que sustenta o egocentrismo humano. Hora de arrefecer os ânimos,
recobrar a calmaria, concentrar-se na exuberância que reside em si mesmo e
tratar, com serenidade, os descompassos.

Pagar o
Pato
Responder por ações ou
irresponsabilidades de outros é sofrer consequências dolorosas e incabíveis.
Quantas e quantas vezes somos vitimados por "senhores do poder" que corrompem,
se enriquecem nas masmorras da miserabilidade do povo e ao mesmo povo retornam
com retórica afiada, a rir de tamanha e esquálida benevolência. "Senhores" que
não aparecem nem na "Voz do Brasil", mas que se infiltram nos porões do poder e
com astúcia vilipendiam a boa fé. Por fim, vencem instituições já falidas,
escamoteiam projetos reclamados, zombam da dignidade e fazem triunfar nulidades.
E cada um paga o preço da distância que permitiu abrir.
A atitude não é outra senão
indignar-se, na prática. Não é outra, senão gritar basta. Não é outra, senão
fazer valer a cidadania e expelir, da democracia, esses intragáveis gatunos bem
vestidos na mordomia do poder. É preciso repudiar o cabresto, jogar ao chão a
sela imposta e extirpar, vez por todas, as viseiras que retiram a vida da visão
sistêmica e integral da realidade. Se a ausência de educação, e a criticidade
por ela despertada, é apontada como responsável pelo cenário, então já é tempo
de ressuscitar, em cada um, o cidadão que não se deixa enganar, não aceita o
"arreio" e não tolera mais a rédea, para então propagar uma nova ordem, uma nova
possibilidade, ou quem sabe até uma nova utopia. Importa que não se cale. Que
não se submeta ao jugo. Que não se deixe corromper.