”Tu lembras daqueles grandes espelhos côncavos ou convexos
que, em certos estabelecimentos, os proprietários colocavam
à entrada para atrair os fregueses, achatando-os,
alongando-os, deformando-os nas mais estranhas configurações?
Nós, as crianças de então, achávamos uma bruta graça,
por saber que era tudo ilusão, embora talvez nem conhecêssemos
o sentido da palavra “ilusão”.
Não, nós bem sabíamos que não éramos aquilo!
Depois, ao crescer, descobrimos que, para os outros, não éramos
precisamente isto que somos, mas aquilo que os outros vêem.
Cuidado, incauto leitor! Há casos, na vida, em que alguns acabam
adaptando-se a essas imagens enganosas, despersonalizando-se
num segundo”eu”.Que pode uma alma, ainda por cima invisível,
contra o testemunho de milhares de espelhos?
Eis aqui um grave assunto para um conto, uma novela, um romance,
ou uma tese de mestrado em Psicologia.”
Mario Quintana
In: Na Volta da Esquina (1979)
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