Na véspera da tempestade de granizos, minha família se dividia em dois grupos: os que se protegiam da chuva e os que festejavam a chuva.
Mãe e irmãos ajudavam a fechar as venezianas, a desalojar as velas das gavetas, a lacrar as portas e se esconder na sala com pavor dos relâmpagos. Receavam o pior, o destelhamento com as pedras, a infiltração pelas paredes. Formavam uma brigada de prevenção.
Já eu e meu pai nos dirigíamos para varanda como se fossemos passear. Sentávamos no banco de madeira, com a aguaceira nos pés, a admirar a tempestade.
Leves, livres, convictos. Adorávamos os pinotes das folhas, as cambalhotas dos galhos, o pipocar dos blocos nas lajes.
A água maquiava nosso rosto com uma fria camada de pó.
Havia uma cumplicidade com o céu violáceo, estranho, absurdamente surpreendente.
Apontávamos qual o raio mais bonito, o mais sonoro, o mais longo, o mais próximo.
Não tínhamos medo, mas ansiedade feliz pelo espetáculo nervoso da natureza. Era como um teatro vazio, só eu e ele, armados dos dois únicos ingressos vendidos, para ouvir a orquestra das árvores deslizando seus violinos de vento e seus violoncelos de assombro.
Ríamos de nossa coragem, enquanto os familiares gritavam em desespero para que a gente entrasse logo, que parasse com aquela brincadeira estúpida.
– Você são loucos!
E meu pai respondia:
– Sim, somos! Agora nos deixe com nossa loucura – e me abraçava carinhosamente entre seus ombros.
Meu pai recolhia uns blocos de gelo para colocar em seu copo de uísque e no meu de limonada. E brindávamos os sabores da vida adulta com o da infância.
No amor, é igual: há os que temem a chuva e os que se jogam para vê-la na sacada.
E não adianta ensinar alguém a amar a tormenta – ela deve estar no sangue.
E não adianta fazer quem gosta de participar das trovoadas se recolher em casa.
Os opostos não se atraem. Os opostos disputam quem tem razão.
Não dará certo juntar aquele que é travado para o relacionamento com aquele que é intenso, aquele que pretende controlar os fatos e o que pretende inventar seus próprios fatos.
Sua companhia irá parar de repente, e você puxará pela mão jurando que um dia tomará confiança e virá. Não virá, jamais virá.
Pode desejar carregá-la que ela cansará do mesmo jeito. Pode querer explicar que não é necessário ter medo, que não acreditará.
Enquanto exclamar “venha dançar na chuva”, ela se trancará no quarto esperando que passe.
Meu pai me explicou, lá na minha criancice, que temos que procurar a parceria certa.
Só dois passionais não cobram passos, estarão correndo e nenhum dos dois se sentirá desacompanhado.
Não vão se atropelar porque partilham a mesma velocidade da ventania, o mesmo gosto pelo imprevisto, o mesmo susto de ser.
Os relâmpagos iluminam os loucos.
http://carpinejar.blogspot.com.br/2013/09/coragem-da-chuva.html